O colo é um direito do bebé? - entrevista com a Jurista Mafalda Bravo Velez
Vais estragar com mimos…
Depois entra na creche e custa-lhe mais não ter colo…
Deixa chorar, vais ver que aprende a acalmar-se sozinho…
Será que estas frases e conselhos atentam contra os direitos do bebé?
Será que o bebé tem direito a ser pegado, aconchegado e mimado ou isso é só um “extra”?
Será que o colo é um direito do bebé?
Será que dar colo é um dever dos pais?
Mafalda Bravo Velez, Jurista, Professora Universitária e especialista em direitos parentais e da infância e mãe de 5 +1 + 2 - é mesmo a Mãe Pulguinhas ideal a quem fazer estas perguntas.
Na Declaração dos Direitos da Criança podemos ler:
“Princípio 6.º
A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afeto e segurança moral e material;”
Esta declaração é de 1959 mas ainda há quem, hoje em dia, acredite no “deixa chorar”. Porque é que achas que isto acontece?
Olá Rita, antes de qualquer outra coisa muito obrigada por esta oportunidade. Por poder partilhar o que sei e o que tenho vindo a aprender nestes quase 20 anos de dedicação ao estudo, divulgação e compreensão dos direitos das crianças.
Relativamente à pergunta que me fazes penso que o problema residirá na forma como construímos o nosso mundo. Um mundo feito à medida do adulto e em que toda a informação que recebemos interpretamos partindo dessa perspectiva. Numa perspectiva do que é melhor para o adulto. O que vai causar mais, ou menos, transtorno na vida daquele. Outra questão que penso poderá estar na origem é o costume “fizeram comigo e não morri”.
Infelizmente a maioria de nós foi criada sem apego, sem toque, sem contacto físico. Muitas das memórias mais felizes, em quantidade e qualidade, vêem de brincadeiras (um dos grandes momentos em que há contacto físico e, se for feito com adultos, obrigatoriamente, e inevitavelmente haverá colos, com cócegas, atirar ao ar - quando são mais velhos - e por aí em diante), e tempo vivido com os amigos.
Seja na descoberta com os amigos seja na rua, nas férias ou na escola. As nossas maiores memórias de toque felizes vêm de brincadeiras com os pares. Muitos de nós as memórias que temos de toque nas famílias é o apanhar palmadas e por aí. O nosso corpo tem memória afectiva, necessidades de anos e anos de colo, e, quando essa necessidade não é satisfeita, involuntariamente, causa dor e, involuntariamente, também, activamos o nosso modo “fuga”.
Infelizmente, na relação com os outros, tal modo fuga vai ser activado também, e tendemos a não conseguir dar aquilo que também não recebemos. Até porque tal nos causa dor, mas é assim que se faz, pois agora somos civilizados e evoluídos, já temos carrinhos, parques, espreguiçadeiras e toda uma boa panóplia de apetrechos que substituirem o colo que outrora era uma necessidade no cuidado da criança enquanto a mesma não se deslocava sozinha e, portanto, um fardo.
A maioria da sociedade nos diz para não dar, que vicia, que se está a habituar mal, que depois na creche vai sofrer mais… e tanto que quem quer educar com apego ouve. Mas… certamente, as psicólogas, melhor que eu, conseguiram explicar este fenómeno.
O que poderíamos fazer para comunicar aos pais a necessidade de colo e do bem que ele faz?
Penso que desmistificar a negatividade que se dá às nossas necessidades primárias. Olhar para elas como a riqueza que ainda temos da nossa ancestralidade e que apesar de já não precisarmos delas para sobreviver, informar exaustivamente que precisamos delas para viver bem. Vivermos felizes e mais conectados connosco, com os outros e com o nosso meio ambiente.
Dirias que há um direito inalienável do bebé em ser pegado e aconchegado em colo?
Sim, sem qualquer dúvida. Uma das características dos direitos humanos é precisamente a inalianibilidade de todos os direitos humanos. A convenção dos direitos da criança são os direitos humanos das crianças. Às mesmas aplicam-se os direitos humanos gerais, mas, porque são ser humanos numa fase muito específica da sua vida cujas principais características são a vulnerabilidade e a imaturidade, as mesmas têm direitos humanos específicos de forma a ser possível protegê-las de tudo o que possa afectar o seu crescimento e desenvolvimento que se quer pleno.
Não porque são o futuro da humanidade, mas porque são o presente. Porque o que fizermos hoje vai afectar a criança hoje. A forma como cresce e se desenvolve no presente.
E, por isso é que que um dos princípios basilares da convenção dos direitos da criança é o superior interesse da criança. Este princípio diz-nos que toda e qualquer interação dos adultos com a criança deverá ser pautada pelo superior interesse da mesma. E, claro, que o colo, por toda a literatura científica que já existe, toda a evidência que demonstra que o mesmo é o melhor para as crianças, à contrario, não dar colo deveria ser considerado maus tratos a um bebé/criança. Mas, infelizmente, ainda há muito trabalho a fazer nesta área. A título de exemplo, os maus tratos físicos e psicológicos a uma criança, mesmo estando consagrados na lei, ainda não são pela sociedade reconhecidos como tal… como conseguiremos avançar para os maus tratos afectivos?
Parece-me que o colo é um gesto de amor que todas as idades podem perceber, mesmo que ainda não falem ou não tenham capacidade de entendimento. O que te parece, concordas que é uma forma de comunicação para um bebé?
Penso que é a primeira e principal forma de comunicação. O colo é o adulto a dizer que está cá para ele. Tanto a nível funcional, como o transporte, tando a nível afectivo pois permite o contacto físico que, a seguir à amamentação, é o principal regulador das emoções de um bebé e criança, podem ter. Até o adulto. Os abraços são mágicos a todos os níveis.
Dirias que mais colo é sempre melhor?
Diria que todo o colo que se dá nunca é demais e, depois de tantos contactos com tantas famílias e crianças ao longos destes anos de estudos no âmbito dos direitos das mesmas, a falta de colo é na sua maioria das vezes pronuncio de que ao longo do crescimento vão existir várias violações dos direitos daquela criança. O colo vai estreitar na medida em que for dado o laço entre o adulto e o bebé/criança. Quanto mais estreito for esse laço menos probabilidades haverá de existirem maus tratos.
Se receber colo é um direito do bebé, dar colo é um dever dos pais?
Sem qualquer dúvida. Apesar de legalmente já termos alterado o termo como juridicamente nos referimos à relação entre pais e filhos, de poder paternal para responsabilidades parentais, no dia a dia ainda é muito difícil fazer este exercício. Que os pais não têm poderes nem direitos sobre os filhos, mas sim deveres e responsabilidades. A partir do momento em que percebermos que a relação deverá ter como centro o bebé/criança e as suas necessidades, e não os pais e suas necessidades, conseguiremos um volte-face maravilhoso no respeito pelos direitos e dignidade das nossas crianças, pois os pais assumirão esse papel, também, de contagiar os restantes cuidadores e consequentemente toda a sociedade.
Na tua bio tens mãe de 5+1+3, podes explicar para quem ainda não te segue?
Como costumo dizer tenho 6 filhos, 5 paridos e um “achado” porque tenho um enteado que viveu connosco desde os 4 anos até sensivelmente aos 10. Cuja mãe sempre esteve muito ausente e que chegou a mim com muita falta de colo e todas as consequências inerentes à mesma. Então… “adoptei-o” e, tal como aos meus filhos, também lhe dei muito colo e tudo o que é inerente ao mais primário gesto de amor. O número 2 refere-se aos nossos cães, à Foca e ao Elefante (que com grande dor nossa já vimos partir) aos quais toda a família também dá muito colo.
O colo é algo maravilhoso porque quanto mais colo físico dermos, mais colo afectivo ao longo de todos os anos vamos continuar a dar.
Mafalda Bravo Velez desde cedo que sabia que a sua vida seria a ser mãe e a trabalhar com crianças. Por isso, tem 5 filhos. Apaixonada pelo direito, e pelo o que o direito pode fazer por cada um de nós, foi com leveza que se tornou mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa e com a Unicef e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) especialista em Direitos da Crianças e Direitos Laborais Parentais. Jurista de profissão, além do estudo, lobby e feitura das leis, muitas das que hoje regem algumas das áreas cruciais da nossa vida no que respeita àquelas matérias, nacionais e internacionais, têm algo seu. É a dar aulas, e a empoderar famílias, a colocar o direito ao serviço das crianças, mães, pais e profissionais que mais se sente realizada. Desde a mediação familiar, na qual tem uma pós graduação, até aos atendimentos, e formações, nos quais apoia famílias a fazerem valer os seus direitos e conseguirem, não só um bem estar maior nas escolas, e locais de trabalho, como conseguirem a tão ansiada, e, afinal, por vezes, tão simples e tão protegida pela lei, conciliação familiar e profissional. O MBA em Empreendedorismo social, e 6 anos a trabalhar em PVD, um deles como voluntária, deram-lhe a certeza que o caminho para a justiça é longo, mas fazível, e que com amor, verdadeira solidariedade e olhando o outro nos olhos, ao mesmo tempo que somos assertivos, tudo é possível. Podem acompanhar um pouco mais do que é a vida do dia a dia entrusada com o direito no instagram @ShantiBanana_MafaldaBravoVelez
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Os teus comentários, dúvidas e sugestões são bem-vindos!
O que achas, os pais têm o dever de dar colo aos seus filhos? E se acreditarmos que sim, consideras que temos o poder de mudar a forma como respondemos aos pedidos de carinho dos nossos bebés? Vou adorar saber o que pensas. Partilha a tua opinião nos comentários.
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