O que não fazer no Dia das Bruxas: os sustos e as crianças
Recentemente um casal norte-americano foi condenado em tribunal a perder a custódia dos próprios filhos depois de vários vídeos em que apareciam a aterrorizá-los com o objectivo de gerar visitas para o seu canal de YouTube. Este é um exemplo onde os limites foram claramente ultrapassados e onde se foi muito para além do que é o comportamento natural dos pais, transformando-se num caso de verdadeira crueldade.
Com o aproximar do Halloween, as Pulguinhas de todas as idades tomam contacto com partidas, sustos, bruxas e monstros que, dependendo da sua personalidade, gosto e à vontade, podem ser tanto divertidos quanto matéria para pesadelos. Para nos ajudar a compreender como podemos estabelecer os limites do que é razoável para a sua fase de desenvolvimento falámos com Maria João Silva, especialista em ansiedade e Terapias Cognitivo – Comportamentais no Centro Pin.
Ter medo de monstros e bruxas depende da idade?
O medo é um processo adaptativo universal e inato, uma espécie de alarme que
protege a criança de situações potencialmente perigosas. Ao longo do desenvolvimento saudável, as crianças vão tendo medos que podemos designar de “normais”, por serem muito comuns na infância, transitórios e independentes do sexo, nacionalidade, etnia ou estatuto sócio-económico.
O conteúdo destes medos varia em função da idade e a forma como se vão manifestando também se torna diferente à medida que a criança cresce.
As bruxas
O medo de monstros e bruxas é um medo que surge tipicamente entre os 4 e os 6 anos de idade, uma vez que, nessa fase, há uma expansão do conhecimento das Pulguinhas sobre o que as rodeia e elas têm já uma maior capacidade para imaginar. Apesar disto, é possível que este medo possa surgir numa idade mais tardia ou ser tão intenso que provoque alterações significativas no bem-estar da sua Pulguinha ou da sua família. Isto pode ser um sinal de que o medo se
tornou patológico.
O que torna divertido o susto, e o que o separa os sustos dos medos?
O susto pode ser entendido como uma reação momentânea a um acontecimento
inesperado. Se estivermos a falar numa partida que deixa o outro assustado – como, por exemplo, quando alguém que está escondido atrás de uma porta surge, de repente, à nossa frente – o “susto” torna-se inofensivo e até divertido. Depois de um susto deste tipo, o mais provável é que ria com a sua Pulguinha.
Ao contrário do susto, o medo é uma emoção face a algo que é identificado como
perigoso. Mesmo quando não somos confrontados com esse perigo, sabemos que temos medo dele e que vamos sentir esse medo, se formos confrontados com ele. O susto deixa de ser divertido quando são utilizados conteúdos típicos dos medos (exemplo: fantasmas, morte, sangue, escuro). Nestes casos, podem ser desencadeadas emoções intensas de medo, que, no limite, podem gerar uma ansiedade.
Quais são os medos mais comuns entre as Pulguinhas pequenas?
Crescer envolve diferentes desafios para todas as pulguinhas. O medo é um deles e está presente ao longo de todas as etapas do desenvolvimento.
Dos 0 ao 1
Nas pulguinhas bebés (0-1 ano), o conteúdo dos medos relaciona-se com estímulos intensos (exemplo: ruídos fortes) e pessoas estranhas. Isto acontece porque, nesta fase, a via preferencial para a aprendizagem é a sensorial e a capacidade da criança para reconhecer rostos familiares e não familiares é progressivamente maior.
Dos 2 aos 5
Nas pulguinhas de 2-5 anos, surge o medo da separação das figuras de referência,
assim como o medo de pequenos animais, do escuro e de monstros.
Dos 6 aos 9
Com o início da escolaridade (6-9 anos) e a crescente capacidade de reflexão, os
medos começam a ser influenciados por acontecimentos reais de que as crianças vão tomando conhecimento. Nesta fase, elas ficam mais focadas em questões relacionadas com o desempenho académico, ladrões, terramotos, furacões, cheias, guerras, ataques terroristas, armas nucleares, raptos, doenças graves e a morte.
Esteja atento à possibilidade de estes medos persistirem para além da fase expectável ou de surgirem depois da fase devida. Se isto acontecer, pode ser importante clarificar a origem da dificuldade.
Como podemos tranquilizar a Pulguinha que se assustou?
É impossível aos pais evitar que as pulguinhas se sintam assustadas ou com medo. No entanto, há estratégias adequadas para abordar essas situações e para ajudar a sua Pulguinha a enfrentar esses medos.
Uma boa forma de lidar com um medo é “olhar” para ele, falar abertamente com a pulguinha sobre o que sente e o que teme. Os pais poderão, por exemplo, utilizar um desenho animado de que a criança goste, para explorar com ela alternativas e formas de enfrentar a situação temida…
O que faria o Homem-Aranha se tivesse medo de trovoadas?… O que é que a Princesa Sofia faria para não ter medo do escuro?…
Normalizar o medo é outro passo importante para que a criança perceba que sentir isso é “normal”, eliminando, deste modo, qualquer culpa ou vergonha que ela possa sentir.
Utilizar uma abordagem lúdica pode ser uma boa forma de enfrentar alguns medos. Por exemplo, quando uma criança tem medo do escuro, pode ser importante promover brincadeiras no escuro ou num ambiente de penumbra.
Pode, por exemplo, fazer um concurso de sombras, para ver quem consegue fazer, no quarto da sua Pulguinha, as sombras mais divertidas. Desta forma, o escuro começará a ser mais familiar para ela e a ter uma conotação gradualmente mais divertida e menos assustadora.
Deve-se fazer aproximações sucessivas à situação causadora de medo e premiar/elogiar a criança sempre que ela consegue “chegar um bocadinho mais perto” do que a assusta. Não procure evitar que a criança se exponha ao medo, porque isso reforça-o e aumenta-o. É importante que ela passe por experiências que lhe mostrem que o que sente como ameaçador, afinal, não o é.
Os pais têm um papel muito relevante, na medida em que funcionam como modelos de comportamento para a criança. Desencoraje comportamentos de fuga ou evitamento, que a criança naturalmente tenderá a ter perante a situação que receia ou para evitar o confronto com essa situação.
Por exemplo, se a sua Pulguinha tiver medo de cães, permaneça, quando surgir essa oportunidade, perto do cão, mostrando conforto com essa proximidade e, até, tocando no cão, para que a criança perceba que não há perigo associado à situação.
Finalmente, é muito importante que não use os medos da sua pulguinha como castigo ou como forma de a persuadir a fazer algo – por exemplo, devem ser evitadas frases do género “se não comes tudo, vais para o teu quarto sozinho”. Este tipo de “castigo” provoca na criança uma angústia ainda maior e aumenta ainda mais os medos, podendo torná-los patológicos.
Sobre Maria João Silva
Licenciada em Psicologia, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, e pós-graduada em Psicoterapia pela Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva (variante crianças e adolescentes).
Actualmente integra a equipa técnica do Centro Pin – Progresso Infantil onde coordena a consulta de Ansiedade e Mutismo Selectivo.
Contactos:
Agradeço imenso todas as dúvidas e preciosa informação, para que possamos educa-los,ajudar nas suas insegurancas,frustrações e fazermos o nosso melhor,enquanto responsáveis destes seres fantásticos!!!
Muito obrigada, Fátima! É exatamente o que procuramos com as nossas entrevistas a especialistas. Votos de um Dia das Bruxas muito divertido e com sustos na medida certa!