Por que é que o meu bebé não dorme? As birras para dormir e as soluções – entrevista com Prof. Clementina Almeida, ForBabies
A Prof. Clementina Almeida é psicóloga clínica, especializada em bebés, com mais de 25 anos de experiência em acompanhamento de famílias e das suas pulguinhas. Para além de certificada em saúde mental infantil no UK e nos EUA, é também a fundadora do projeto ForBabies, onde, para além de um centro de investigação (o ForBabiesLab), criou um conjunto de serviços que têm como objetivo ajudar todos os pais na mais importante aventura da sua vida: construir o cérebro do seu bebé.
Hoje é com ela que falamos para saber mais acerca do sono dos bebés, as manhas, o adormecer e o por que das nossas pulguinhas teimarem em fazer birra para dormir, temas abordados também no seu livro “Socorro! O meu bebé não dorme!”.
O que é importante todos os pais saberem em relação ao sono da sua Pulguinha?
Os bebés, apesar de serem seres humanos pequeninos, não são de todo uma miniatura de um adulto. Isto é válido para muitas das capacidades e competências mas também para algo que aflige os pais logo no primeiro ano: o sono. De facto e para evitar muitas expectativas irrealista em relação ao sono do bebé, se calhar é melhor começar por perceber em que é que o sono dos mais pequeninos é diferente do sono dos adultos.
A ciência tem demonstrado que os padrões de sono dos bebés variam de bebé para bebé, e variam no mesmo bebé ao longo do seu crescimento, por isso, não existe uma única tabela ou manual no mundo que possa predizer como e quando é que cada bebé vai dormir. Dito isto, o que a investigação científica nos ajuda a fazer é a compreender o porquê dessas variações e as linhas gerais do sono do bebé. Até porque, convenhamos, perceber a ciência por detrás do sono pode prepará-lo melhor como pai e mãe para lidar com o sono do seu bebé e vai ajudar a que toda a família durma melhor.
Claro, não existem só diferenças e existem também algumas semelhanças: damos sinais de estar cansados e de precisar de uma soneca, preferimos dormir à noite (ok, nos bebés demora um pouco a acontecer), gostamos de uma rotina a que nos vamos habituando, e por aí fora.
É verdade que as Pulguinhas podem ter manhas? Como é que as podemos combater?
Os bebés não têm manhas, isso são coisas dos adultos.Os bebés não conseguem ter manhas, têm é necessidades e arranjam a melhor forma para nos dar sinais para tentar satisfazê-las. O conforto e o colo também são necessidades, tão legitimas como a fome, ou a fralda suja, são todas necessidades básicas. Não precisam de se preocupar, o mimo não estraga os bebés, até porque eles não trazem prazo de validade. E o mimo é fundamental para que sejam adultos seguros no futuro.
A ciência só veio reforçar tudo o que todas as mamãs e papás já sabiam institivamente: os bebés precisam de colo. O afeto e o amor é a base para o desenvolvimento cerebral. Ou seja, não há estimulação neuronal sem a base afetiva pelo meio, não é possível uma coisa sem a outra. Chama-se, inclusive, o jogo de dar e receber — o bebé faz e o adulto responde e assim sucessivamente. Isso é a base para criarmos seres humanos seguros e felizes, pelo que não devemos ter medo de todo.
Muitas vezes os bebés acabam por resistir ao sono porque deixamos passar os primeiros sinais e eles ficam cheios de cortisol (a hormona do stress) — chama-se o ‘efeito vulcânico’ porque eles ficam muito irritados e não conseguem dormir. Por outro lado, eles estão a passar pela maior fase de desenvolvimento cerebral e, portanto, dormir é a coisa mais aborrecida à face da terra. Dormir e comer é algo que eles, mais tarde, vão dispensar. Eles querem é coletar dados acerca do mundo e das pessoas. Até ao primeiro ano o trabalho científico deles é coletar dados sobre os objetos, como é que eles se comportam. A partir daí o que lhes interessa são as pessoas. Quando pensamos que os nossos bebés nos estão a desafiar eles estão, na verdade, só a reunir dados.
O não dormir não é uma manha, mas antes uma reação química do corpo, é o desenvolvimento cerebral a dar-se, quer dizer que o bebé está a fazer o trabalho dele, que é ser um dos melhores cientistas à face da terra. Não dormir é problemático para nós, as mamãs que no dia seguinte têm que ir trabalhar, para eles isso não é um problema.
Isso quer dizer que não existe nenhuma forma de treinar a pulguinha para dormir a noite toda? Quais são os riscos dessas práticas?
Não há treinos ou métodos milagrosos que ponham os bebés a dormir tranquilamente e durante toda a noite.
Todos esses métodos de que ouvimos falar, partem da suposição de que o bebé pode ser treinado e que consegue aprender a adormecer sozinho ou a dormir a noite toda, coisas que, em termos do desenvolvimento de um bebé, são impensáveis. Estes métodos são na verdade muito perigosos para a saúde de um bebé, nomeadamente para o seu desenvolvimento cerebral e psicológico, uma vez que a maior parte deles criam sensações de abandono, já para não falar em como o choro continuado aumenta o refluxo, uma das principais causas de mortalidade nos bebés.
Isto é contranatura, porque efetivamente os bebés não vêm preparados para dormir sozinhos, além de ser uma experiência, no mínimo, muito negativa, estar a ser deixado a chorar para adormecer.
Em termos neurológicos, quando os bebés estão a chorar estão em stress, estão a pedir ajuda porque dependem do outro para sobreviver e, por isso, libertam o tal cortisol, que em excesso e durante longos períodos (ou períodos repetidos) vai literalmente queimar neurónios.
Ou seja, não só estamos a colocar a vida daquele bebé em risco, como também a boicotar o desenvolvimento do seu pequenino cérebro pois sabemos que quando o bebé se cala, mesmo passados dois ou três dias, os níveis de cortisol continuam elevados e a destruição de ligações neuronais também continua.
Quais são, então, as principais diferenças entre o sono da Pulguinha e dos seus pais?
Para começar os bebés dormem muito mais do que nós, mas não de uma só vez, e no início não só de noite. Os bebés podem dormir entre 14 a 18 horas, embora seja repartido em pequenos períodos durante a noite e o dia. Com o desenvolvimento cerebral a acontecer algures entre o segundo e o sexto mês, o sono diurno passa a estar mais condensado em sonecas de 1 a 2 horas e o sono noturno pode chegar a formar blocos de 6 a 10 horas.
Durante os primeiros anos de vida da criança, as suas necessidades totais diárias de sono descem gradualmente, por exemplo por volta dos 2 anos para 11 ou 12 horas (com sonecas de 1 a 2 horas) e para 10 ou 11 horas (sem sonecas) para uma criança de 5 anos.
Uma das diferenças fundamentais é que um ciclo de sono (do sono leve ao sono profundo e de volta ao sono leve, com um pouco de sono REM) de adulto dura cerca de 90 minutos, enquanto, que nas crianças pequenas o ciclo dura cerca de 60 minutos.
Esses ciclos mais curtos não acontecem por acaso nos bebés e têm um impacto enorme em sua vida. Isto porque estes ciclos mais curtos significam que o bebé rapidamente e muitas vezes se encontra em sono leve, ou seja vulnerável a despertar (e como costumo dizer, vulnerável a despertar significa que um lenço de papel cai ao chão e o bebé desperta).
Não é de admirar que as crianças pequenas sejam tão facilmente perturbadas no seu sono, seja por fome por dores ou por estarem a passar um marco de desenvolvimento.
Outra diferença muito importante, é o tempo que o bebé passa em sono REM e NREM, sendo que em traços gerais o sono NREM é o sono mais restaurador enquanto que o sono REM é o sono onde o bebé consolida as aprendizagens que fez durante o dia. Nós passamos cerca de 85% da noite em NREM, enquanto os bebés passam apenas 50% em NREM e por outro lado, os bebés passam 40% a 50% do sono em REM comparativamente com 15% nos adultos.
Por outras palavras, os bebés têm 5 vezes mais sono REM que os adultos (8 horas
em vez de 1,5). Sendo isto basicamente o tempo que precisam de consolidar todas as memórias, para analisar todos os acontecimentos do dia (do mais simples ao mais complexo) e decidir quais as memórias novas que devem ser arquivadas. Para um cérebro em desenvolvimento, tudo é novo e fascinante: o ladrar do cão, o cheiro do pão quentinho, a primeira descida de escorrega, as flores que crescem no jardim...etc já para nós adultos convenhamos que o nosso dia é bastante rotineiro e com poucas novidades dignas de criarem memória, daí que precisemos de muito menos sono REM.
Como temos uma vida “menos interessante” o nosso primeiro sono, quando adormecemos é o sono restaurador, antes de passarmos para o sono REM, enquanto que os bebés e crianças pequenas mergulham imediatamente no sono REM para processar todas as memórias que “deram entrada” naquele dia.
O que é que podemos fazer para melhorar as noites de sono de todas as famílias com Pulguinhas em casa?
O essencial é que a rotina seja o mais zen possível, ou seja, que consigamos diminuir toda a estimulação à volta para que o cérebro não continue a reter informação. É necessário um ambiente mais calmo, mais convidativo ao sono e escuro, bem como retirar o bebé de zonas onde haja muita gente a falar ou uma televisão ligada.
O ideal é a família adaptar-se a uma rotina, ou seja, ser consistente todos os dias, de maneira a que haja uma certa previsibilidade para que o cérebro saiba que aquilo vai acontecer e para que se vá adaptando. Falo de uma rotina que seja confortável para cada arranjo familiar. Pode incluir o diminuir as luzes, diminuir a estimulação auditiva, o embalo, o cheiro de alfazema no quarto, que é calmante, e a rotina do banho — nos primeiros tempos os bebés são, por vezes, resistentes ao banho e mais para o fim começam a achar piada e o banho transforma-se numa brincadeira, o que pode ser bom em termos de rotina. Pode até ser um momento de qualidade para brincar e pode ajudar o bebé a acalmar antes de ir dormir. Já agora, não se deve confundir locais onde o bebé adormece com locais de grande brincadeira. Se o bebé brinca durante o dia no berço, depois vai ser difícil associar que ir para o berço é sinónimo de dormir.
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Que texto encorajador! MUITO OBRIGADA! não sabem o quanto me tranquilizou pois cada vez que leio alguma coisa sobre o sono do bebé, fico com a sensação que estou a fazer tudo mal....afinal não, estou só a ser mãe e a dar tudo o que o meu filho necessita, muito amor! Sim, o meu bebé de 4 meses ainda dá noites complicadas, sim acorda muitas vezes, sim adormece no colo... mas agora fiquei com a sensação que só estou a dar o que ele necessita! Custa... custa muito as noites mas.... é o meu bebé! Obrigada pela partilha!
Muito obrigada nós, Bruna. Ficamos tão felizes por saber que ajudámos a trazer mais paz e tranquilidade às rotinas. Com tanto amor, temos a certeza de que tudo o que a sua Pulguinha precisa, vai ter. Muito obrigada por partilhar.