O dizer 'não', as birras e o Natal
Não é fácil dizer que não aos nossos filhos, mais ainda na altura do Natal em que o espírito de ‘dar e receber’ se nos apresenta como uma fonte de pressões. Mas não ceder pode ser fundamental para nós... e para eles.
Falámos com a Dr.ª Carolina Viana, Psicóloga Clínica, para saber como lidar com a pressão, como gerir os pedidos de Natal e que estratégias usar para conseguir impor regras.
1. Qual é a importância de conseguir impor regras e saber dizer que não a uma Pulguinha?
As nossas Pulguinhas precisam de dois ingredientes essenciais para o seu bem-estar e equilíbrio emocional: amor e regras bem definidas. Por um lado o amor permite que as crianças cresçam num ambiente de confiança de que terão sempre alguém e um lugar para partilhar momentos de felicidade e de dor, dúvidas, receios, sucessos e realizações. Permite que se sintam especiais e únicos. Por outro lado, as regras são fundamentais para que elas próprias se tornem confiantes das suas capacidades, se sintam seguras e apoiadas e conheçam os limites do próprio e dos outros, respeitando as liberdades individuais. Crianças que vivem em total liberdade, sem que ninguém lhes imponha limites, tornam-se inseguras, pouco respeitadoras e mostram muita dificuldade em estabelecer prioridades e objetivos. Ao estabelecermos regras às nossas Pulguinhas estamos a construir um caminho que os ajuda a alcançar o sucesso. Quando bem definidos, regras e limites favorecem o desenvolvimento das nossas pulguinhas, autonomia e qualidade de vida, que é extensível a toda a família.
Contudo, estabelecer limites significa que muitas vezes temos que saber dizer não às nossas Pulguinhas, e esta, não é tarefa fácil para os pais.
Vivemos numa época em cada vez temos menos tempo para as nossas Pulguinhas, e muitas vezes colmatamos esta falha oferecendo bens materiais e permitindo que quebrem algumas das regras, “é só hoje”. Deixamo-nos do “posso?” para o “eu quero!”. Cada vez mais, as nossas Pulguinhas têm dificuldade em esperar ou trabalhar para o que querem, tem tudo de ser agora, caso contrário vem a tão temida birra. A verdade é que este nosso comportamento não estimula a capacidade de gestão de frustração das crianças que cada vez mais se tornam exigentes e caprichosas. Ao longo do seu percurso irão surgir vários entraves e obstáculos. Se enquanto pais nunca permitimos que ouçam um não, como irão lidar com estas desilusões?
Com a chegada no Natal tudo se torna mais difícil. Todos os dias as Pulguinhas são bombardeadas com anúncios de novos brinquedos, jogos, querem tudo o que veem no panfleto da loja de brinquedos, as cartas ao pai natal tornam-se uma lista interminável de exigências. E no dia de Natal, se o pedido está incompleto, as festas estão estragadas. Aqui cabe aos pais esclarecer que cada presente deve ser merecido e que há um número limite para o que é pedido, que não deve ser uma exigência mas um desejo.
Portanto, um não e estabelecer regras e limites não faz de nós pais maus, mas estimula a autonomia, segurança e capacidade de gestão da frustração das nossas Pulguinhas.
2. Quando devemos dizer não?
Sempre que as regras não são cumpridas e de forma consistente, ou seja, não nos devemos deixar levar pelo cansaço do dia-a-dia, a hora de chegada do trabalho ou a pressa. Os pais devem estabelecer regras claras, negociando-as para que as crianças também tenham algum poder, mas sendo sempre o elemento de poder. Se estas regras não forem cumpridas deve surgir o “não”.
Àquilo que consideramos ser um direito das nossas Pulguinhas (alimentação, educação, saúde, proteção) claramente não dizemos que não, no entanto, quando surge uma exigência fora do esperado devemos pensar na forma e conteúdo do pedido. Se for uma estravagância, algo que claramente não foi merecido ou para o qual não houve qualquer esforço, deve surgir o não. Queremos sobretudo valorizar o esforço e não obrigatoriamente o resultado final. Muitos pais me perguntam se depois de uma má nota podem permitir alguns pedidos. Respondo sempre com uma pergunta: houve esforço mesmo que não tenha conseguido alcançar os 50%? Devemos valorizar o percurso e não a meta.
Depois temos a forma, uma exigência não é um pedido. Um pedido pode ser negociado mas uma exigência não.
O não também deve surgir quando as Pulguinhas desrespeitam os outros ou a si próprias, devemos ser sempre os educadores e não os seus melhores amigos.
3. Como devemos reagir a uma birra?
Existem algumas regras básicas para reagir às birras, no entanto, se os pais, colocando-as em prática continuam sem conseguir resolvê-la devem procurar ajuda especializada.
A primeira regra é não ceder ao pedido ou exigência em plena birra. Este comportamento por parte dos pais leva a que as crianças vejam a birra como o caminho para alcançar o que pretendem, e assim, reforça esta reação.
Outra regra é não ameaçar ou prometer aquilo que não se vai cumprir. Quantas vezes dizemos “nunca mais vês televisão?” Temos capacidade de levar em frente esta ameaça? Esta resposta leva a que a criança entenda que não existem consequências para o comportamento disruptivo, porque nunca acontece nada do que foi ameaçado.
As regras devem ser claras, ter consequências realistas e claras e tanto quanto possível ser negociadas com as nossas Pulguinhas. Em situação de birra e quebra de regra, não devemos apenas repreender mas dar alternativas de resposta para a criança escolher. Ao fazer isto continuamos com o poder de decisão porque as alternativas são dadas por nós mas também damos responsabilidade às nossas Pulguinhas.
Antes de partir para a ameaça ou consequência em si, relembre a criança do que pode acontecer e tente que ela regresse à calma por si. Crie um sistema de avisos, tentando não ultrapassar 3 avisos até à consequência. Não a critique ou ridicularize porque no momento de tensão da birra, esta resposta só irá piorar a situação. Fale com calma e segurança.
Ignore, tanto quanto possível, a birra, não olhando ou falando com a Pulguinha. Isto é particularmente difícil em situações públicas porque os pais ficam com vergonha do comportamento do filho. Como costumo dizer aos pais, as nossas Pulguinhas por vezes são mais inteligentes do que queríamos, e sabem perfeitamente que em locais públicos os pais têm muita dificuldade em lidar com as birras e por isso acabam muitas vezes por ceder.
É fundamental ser sempre consistente e não ceder umas vezes e outras não. Esta resposta só irá aumentar a intensidade das birras. Por muito que o cansaço seja grande, não devemos desistir de impor a nossa regra.
Devemos dar o exemplo e não perder a calma. Se for preciso saímos de cena para respirar e voltamos para lidar com a birra noutra altura. Podemos mesmo dizer, “eu vou respirar e já venho falar contigo”. Nós somos os melhores modelos para os nossos filhos. As birras fazem parte do desenvolvimento e devem ser vistas como tal e não como provocações. Isto ajuda a que a nossa reação seja mais adequada.
As consequências negativas ou castigos não devem ser humilhantes ou físicos. O ideal é fazer a retirada de privilégios como o tempo de ver televisão, o jogo na playstation ou o telemóvel. Devem ser ajustados à intensidade e gravidade da birra. Outra pergunta comum dos pais é se devem retirar privilégios como os presentes de Natal ou de aniversário, ou mesmo retirá-los das atividades desportivas que gostam. Esse é um direito que não devemos retirar, os pais devem gerir a birra com outro tipo de consequência.
Se a birra não passar em poucos minutos pegue na sua Pulguinha e acalme-a ao colo.
Finalmente, vamos tentar evitar que as birras aconteçam valorizando e reforçando ou elogiando as nossas Pulguinhas sempre que têm o comportamento que desejamos.
Psicóloga Clínica e coordenadora do Núcleo de Idade Escolar do CADIn. Pós-graduada em Terapia Comportamental Cognitiva pela Associação Portuguesa de Terapias Comportamental Cognitiva. Especializada na área das perturbações do comportamento e emocionais, entre elas perturbação de hiperactividade e défice de atenção. Com experiência clínica com crianças e adolescentes na área das dificuldades de comportamento e socioemocionais.
911976143
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